A era digital tem ampliado as capacidades do ser humano. Com um celular na mão, atualmente é possível cumprir uma infinidade de tarefas: desde escrever um texto como esse até falar ao vivo com alguém que está do outro lado do mundo, pedir uma refeição, assistir a um jogo de futebol ou acessar um tutorial sobre nós de gravata. A lista de tarefas é interminável.

No entanto, ao mesmo tempo que facilita nossa vida, a tecnologia também pode alimentar uma perigosa ilusão de poder. Refiro-me à ilusão cada vez mais comum de que qualquer pessoa é capaz de executar qualquer tarefa por meio de uma pesquisa na internet. E, infelizmente, há quem lucre alto ao alimentar esse vaidoso delírio de autossuficiência, gerando um arriscado emaranhado de “oportunidades” que só beneficiam quem as oferece.

Ultimamente, essa tendência também tem se estendido sobre a odontologia. Sem a devida fiscalização, sites que vendem produtos importados a baixo custo têm prometido soluções em saúde bucal que eliminam o elemento principal para um bom resultado: o cirurgião-dentista. Entre as ofertas, estão cremes para clareamento dental, instrumentos de remoção de tártaro e até facetas e lentes de contato para aplicar em casa, sem a visita a um consultório ou orientação de um profissional da odontologia.

Grande parte desses produtos tem circulado pelo Brasil sem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e os vendedores raramente deixam clara a procedência dos itens oferecidos. O risco para quem consome é alto – não há clareza sobre o grau de toxidade dos materiais utilizados na fabricação e, em caso de contaminação, é remota a chance de notificar os responsáveis.

Desde 2015, a Anvisa orienta que clareadores dentais devem ser vendidos mediante prescrição por cirurgião-dentista. Já ferramentas usadas na remoção de tártaro são instrumentais de uso técnico, que devem ser manipulados exclusivamente por profissionais habilitados em ambiente apropriado, ou podem gerar graves danos ao esmalte dentário.

Por sua vez, facetas e lentes de contato devem ser fabricadas individualmente por cirurgião-dentista a partir da anatomia dental de cada paciente. Não há como oferecer esse tipo de produto em massa sem acarretar riscos graves aos usuários, como trauma oclusal – lesão induzida em tecidos de inserção dentária – ou necrose pulpar – falência da irrigação sanguínea e dos nervos da camada mais interna dos dentes.

Cada tratamento em saúde bucal é único, levando em conta não apenas funções estéticas, mas também a distribuição equilibrada do esforço mastigatório. Por conta disso, a necessidade de cada produto deve ser avaliada por um profissional, bem como sua aplicação.

Por mais tentadoras que possam parecer, acessíveis a um toque no celular, soluções que se adaptam magicamente a diferentes indivíduos não existem quando falamos de tratamentos dentários. Muito menos quando são ofertadas à distância, sem aprovação de agências reguladoras e sem a orientação de um profissional de referência. Logo a magia do produto pode se revelar um truque irresponsável – e perigoso.

Nem toda a tecnologia da era digital é capaz de desbancar a sabedoria da canção que afirma: “é impossível ser feliz sozinho”. A saúde bucal é prova disso. Sem a presença e a orientação de um profissional, a busca por um sorriso mais claro e harmonioso pode se tornar um problema. Para se orientar em meio à onda de produtos ofertados neste campo, a dica é simples: visite seu cirurgião-dentista.