Os melhores presentes são aqueles que carregam histórias. Enquanto escrevo este texto, tenho diante de mim um desses regalos, na esperança que me traga inspiração para contar sua origem como merece. Trata-se de uma verdadeira obra de arte, mas condensada em uma pequena peça de metal, capaz de se aconchegar com graça e elegância na palma da mão.
Recebi nesta semana esse presente, de um paciente que eu não via há mais de um ano. É um homem muito cordial, de fala suave, daqueles com quem a gente é capaz de conversar por horas sem ver o tempo passar. Vou me referir aqui a ele apenas como Sr. Cássio, pois me pediu para não revelar o nome completo por “não gostar de aparecer” – sim, é também um homem humilde e discreto.
Sr. Cássio visitou meu consultório nesta segunda-feira. Disse que precisava me mostrar um exame e me empurrou triunfante uma caixinha escura, pouco maior e mais larga que um telefone celular. Abri de imediato e deparei com uma bainha de couro e um vistoso canivete. A lâmina estava recolhida sobre a tala prateada, impecavelmente desenhada com arabescos em padrão de joalheria. Como admirador da cutelaria, logo percebi que estava diante de uma peça única.
– Perdão, Sr. Cássio, mas o senhor se referiu a um exame… – perguntei intrigado.
– Sim, Dr. Mengarda, esse é o exame que comprova que minha vida se transformou depois do implante dentário.
Ele então explicou:
– Doutor, o senhor deve lembrar como era minha dentição há pouco mais de um ano, antes de fazer meu implante. Comer já não dava nenhum prazer. Era cansativo e às vezes doloroso. Há mais de 20 anos, comprei esse canivete de um amigo cuteleiro. Foi a solução que encontrei para me alimentar melhor. Eu não tinha mais a capacidade de morder uma maçã, uma pera ou qualquer outro alimento um pouco mais rígido. Eu precisava levar esse canivete comigo para onde eu fosse e cortar tudo em pedaços. Era isso ou ter que comer sempre as mesmas coisas.
Olhei para a caixinha em minhas mãos. Realmente, se eu precisasse andar sempre com um canivete no bolso, que fosse com um belo exemplar como aquele.
Sr. Cássio prosseguiu:
– Doutor, li seu artigo na Zero Hora do final de semana, que falava sobre o prazer de morder uma maçã, e me dei conta de quantos meses fazem que esse canivete está guardado. O senhor talvez não saiba o alívio e a liberdade que é não precisar mais carregá-lo comigo. Hoje, após o implante, eu simplesmente posso morder e mastigar qualquer alimento. Resolvi vir até aqui apenas para contar essa história e agradecê-lo. Se não for atrevimento, gostaria de deixar com o senhor esse canivete como uma lembrança do significado do seu trabalho.
Um pouco constrangido diante de um presente de valor inestimável, só consegui perguntar:
– Sr. Cássio, o senhor tem certeza que posso ficar com ele?
O paciente respondeu sorrindo, já pronto para se despedir:
– Sim. Agora estou livre dele.