Ele chegou pontual, como quem cumpre promessas que ninguém mais lembra que foram feitas.
Era um senhor de postura impecável, daqueles que ainda passam perfume para ir ao médico. Usava camisa social, sapato polido, e trazia nas mãos um papel dobrado. Quando sentou na cadeira, colocou o papel sobre a mesa e me olhou com um sorriso sem abrir os lábios.
“Doutor… tem alguém que vai estar no meu próximo almoço de turma. Alguém que eu não vejo há mais de 40 anos. E que… bom, foi muito importante pra mim.”
Eu escutei em silêncio, enquanto ele alisava o papel — uma lista impressa com nomes e telefones de ex-colegas da faculdade. “A Ana vai”, ele disse. “A Ana que… bom, foi meu grande amor.”
Engoli seco. Ele continuou:
“A gente se separou por caminhos da vida, sabe? Casamos com outras pessoas, seguimos. Mas… eu nunca esqueci o jeito como ela sorria. E agora, depois de tantos anos, vamos estar no mesmo lugar, na mesma mesa. E eu… tenho vergonha de sorrir.”
Aquele senhor elegante, tão seguro de si, confessava ali um tipo de fragilidade que poucos têm coragem de admitir. Não era vaidade — era vulnerabilidade. E talvez também, esperança.
Ele me pediu algo simples: “Não quero parecer jovem. Só quero parecer… inteiro.”
Iniciamos o tratamento. Planejamos uma reabilitação com implantes dentários e próteses em zircônia-porcelana que respeitasse sua idade, sua identidade e sua história. Ele participava de cada decisão com um cuidado quase artesanal. “Será que ela vai reconhecer meu sorriso?”, perguntou em uma das consultas.
Respondi: “Talvez ela reconheça algo mais profundo — a sua essência voltando à tona.”
Dias depois da entrega final, recebi uma mensagem curta. Só dizia:
“Ela reconheceu.”
Fiquei olhando para aquelas duas palavras com um sorriso leve. O que ele reencontrou naquele dia foi mais do que um amor antigo. Foi uma versão dele mesmo que estava guardada, à espera de coragem.
—
Nunca é tarde para reencontrar quem você foi.
Ou quem você pode voltar a ser.