Ela entrou no consultório com passos lentos, carregando no rosto um daqueles sorrisos que, de tão discretos, quase se perdem no olhar. Era Dona Fátima, uma paciente de quase 70 anos que eu já conhecia há algum tempo. Sempre simpática, mas naquele dia, estava diferente. Sentou-se na cadeira, respirou fundo e desabafou: “Doutor, dizem que a vida ensina, mas ultimamente parece que ela só tem tirado de mim”.
Ela olhou para as próprias mãos e continuou: “Perdi meus pais ainda jovem, depois meu irmão mais velho… E agora, o meu marido. Parece que a cada perda, um pedaço meu vai junto. A gente sobrevive, segue em frente, mas eu me pergunto: tem algum sentido nisso tudo?”.
Suspirei, sentindo o peso daquelas palavras. O que dizer diante de uma dor tão grande? Sempre achamos que o sofrimento vem em diferentes tamanhos, que uns sofrem mais do que outros. Mas será que é assim mesmo?
Sofrer é algo inerente ao ser humano. Como saberíamos o que é a felicidade sem os momentos nebulosos? Se tudo fosse sempre perfeito, talvez nem soubéssemos reconhecer o verdadeiro valor da vida.
Bom… posso afirmar que tenho o privilégio de trabalhar em meio a tantos sorrisos. Todos os dias, vejo expressões de alegria, alívio e gratidão. Mas também faço questão de entender o outro lado da moeda: o nosso sofrer. Afinal, ele faz parte da jornada tanto quanto os momentos felizes.
Recentemente, li um livro sobre o sofrimento e uma frase me marcou profundamente: “Sofrimento é ter o que você não deseja ou desejar o que você não tem”.Isso faz todo o sentido. Sofremos quando enfrentamos algo que jamais queríamos – uma perda, uma doença, um fracasso. E sofremos também quando desejamos intensamente algo que parece estar sempre fora do nosso alcance – um amor que não se concretiza, um tempo que não volta, uma vida diferente da que temos.
Pense em alguém que perdeu o emprego e sente medo do futuro. Ou em quem está ao lado de uma pessoa amada que adoece e se sente impotente. Pense até mesmo em algo simples, como o desejo de que os filhos fossem para perto quando, na verdade, a vida os levou para longe. O sofrimento, no fundo, sempre nasce desse desencontro entre o que temos e o que gostaríamos de ter.
Mas será que, sabendo disso, conseguimos lidar melhor com ele?
Dona Fátima respirou fundo e sorriu de leve. “Apesar de tudo, doutor, eu sempre voltei a sorrir. A vida me tirou muito, mas de alguma forma eu segui em frente. Só que agora… perder meu marido foi diferente. Ele era meu porto seguro e, sem ele, eu ainda não sei como encontrar o caminho de volta”.
O sofrimento nos derruba, mas é curioso como também nos faz levantar. Cada dor que enfrentamos parece insuportável no momento em que acontece, mas com o tempo percebemos que continuamos respirando, continuamos andando e, em algum momento, voltamos a sorrir. E isso não significa esquecer, mas sim aprender a carregar a dor de um jeito que nos permita seguir.
A ciência já mostrou que o sorriso, mesmo em momentos difíceis, pode ajudar a aliviar a dor. Estudos indicam que o ato de sorrir estimula o cérebro a liberar endorfinas, diminuindo o estresse e nos ajudando a enfrentar os desafios com mais leveza. Não é que o sorriso apague o sofrimento, mas ele nos lembra que ainda existe beleza no meio do caos.
“Será que um dia vou sorrir de verdade de novo?”, Dona Fátima perguntou. “Eu acho que a senhora já está sorrindo”, respondi. “Pode ser um sorriso tímido, um sorriso ainda carregado de saudade, mas ele está aí. E, pouco a pouco, ele vai crescer”.
Porque, no fim, o sofrimento nunca é em vão. Ele nos ensina e nos lembra de que, apesar de tudo, a vida continua e sorrir faz parte desse caminho.