Ela entrou com delicadeza, como quem não queria incomodar. Era uma senhora elegante, dessas que falam baixo, escolhem as palavras e transmitem um tipo de serenidade rara. Quando se sentou, abriu a bolsa devagar e puxou uma foto. Não era de família, nem de um sorriso antigo. Era… um quadro.
“Esse aqui”, disse, “fica pendurado na sala da minha casa há quase cinquenta anos. Era da minha mãe. Nunca troquei a moldura. Limpo com pano seco. Quando alguém senta no sofá, faço questão que olhe pra ele.”
Observei. A pintura era simples, quase singela: uma paisagem em tons terrosos, com uma casa ao fundo e algumas árvores que pareciam já ter perdido parte das folhas.
“Não sei se tem valor financeiro, doutor”, completou. “Mas pra mim… tem alma.”
Respirei fundo. Aquela consulta não tinha começado com radiografias ou escaneamentos. Começou com uma memória. E memórias, às vezes, falam mais alto do que os exames.
Ela me contou que sempre cuidou da casa, dos filhos, do marido, dos netos. Mas que, nos últimos tempos, vinha sentindo que algo nela também precisava de cuidado.
“Sabe quando a gente começa a não se reconhecer?”, perguntou. “Eu ainda sou eu… mas meu sorriso, não.”
Era como se o quadro na parede tivesse mantido sua essência, mesmo com o tempo. Mas o reflexo no espelho… já não carregava a mesma nitidez.
Falamos de porcelanas. De reabilitação oral. De implantes dentários. De como é possível reconstruir um sorriso com delicadeza, preservando o que há de mais autêntico em alguém.
“Quero algo discreto, mas bonito”, ela disse. “Como o quadro da sala.”
Iniciamos o tratamento com calma, respeitando seu tempo e sua história. Sessão após sessão, percebi pequenas mudanças: na postura, na voz, no jeito de olhar. Não era vaidade. Era reencontro. Ela não queria parecer mais jovem — queria parecer mais ela.
Na consulta final, quando entreguei o espelho, ela riu. Mas foi um riso diferente. Era o tipo de riso que não quer provar nada pra ninguém — só agradecer.
“Obrigada, doutor. Esses dentes de porcelana… parecem pouco, mas me devolveram um pedaço de mim.”
Naquele momento, entendi o que ela queria dizer com valor sentimental. Assim como o quadro da mãe, aquele sorriso restaurado agora carregava algo que só ela sabia: sua própria história.
Algumas coisas têm valor porque atravessam o tempo.
O seu sorriso pode ser uma delas.