Ele chegou com um olhar firme, mas sem sorriso. Estava bem vestido, educado, sereno. Mas algo nele parecia contido, como se estivesse sempre segurando alguma coisa — como quem, ao longo da vida, aprendeu a se encolher.
Durante a anamnese, falou pouco sobre si. Mas quando perguntei o que o trazia até ali, ele respirou fundo e disse:
“Quero sorrir. Pela primeira vez na vida.”
Fiquei em silêncio. Ele continuou:
“Desde pequeno meus dentes eram malformados. Nunca sorria nas fotos. Na escola, era ‘o quieto’, ‘o estranho’. Na adolescência, virei o cara do boné e da barba. Mas por dentro… eu queria sorrir como todo mundo.”
Contou que fez de tudo para desviar a atenção do rosto. Estudou, fez carreira pública. Foi bem-sucedido. Mas nos encontros sociais, nas reuniões, nas fotos de família… o sorriso sempre ficava pela metade.
“Aos 50, percebi que estava cansado. Não dos outros. Mas de mim mesmo. Cansado de me esconder.”
Aquilo me tocou profundamente. Não era apenas um caso clínico. Era uma história interrompida, um sorriso que nunca pôde nascer — e que agora pedia espaço para existir.
Fizemos exames, planejamentos, simulações. Optamos por uma reabilitação com implantes e próteses cerâmicas que respeitassem a estética facial e, acima de tudo, a identidade dele. Em cada etapa, ele se olhava no espelho como quem reconhece um traço esquecido de si mesmo.
No dia da entrega final, ele me olhou sério. Pegou o celular do bolso, colocou em modo retrato e disse:
“Agora sim. Pode tirar a foto.”
Ele sorriu. Sem barba, sem truques, sem reservas.
Dias depois, ele me marcou numa rede social: uma foto dele no aniversário de 51 anos, ao lado da família. O sorriso estava lá. Aquele que ele nunca teve — e que agora era só dele.
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Às vezes, tudo o que falta é coragem — e alguém que acredite no seu sorriso.